Os seres vivos possuem um relógio interno que regula as suas funções internas. Este está sincronizado com os ritmos do planeta Terra, como o dia e a noite ou as estações do ano.
O tema da cronobiologia tem sido bastante relevante no campo da saúde, desde que Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young venceram o Prémio Nobel da Medicina em 2017 ao descobrir os mecanismos moleculares que regulam o Ritmo Circadiano. Michael Rosbash manifesta-se após saber que era um dos premiados da seguinte forma: “Antes que a atmosfera tivesse a sua composição atual, a Terra girava no seu eixo, e o ciclo de luz e escuridão teve um impacto no início da vida”.
A cronobiologia estuda o ritmo das nossas células, os nossos ciclos hormonais, a relação entre o sono e a vigília. Como somos organismos pluricelulares (ou seja, constituídos por mais do que uma célula ou sistema) é necessária uma coordenação entre todas os nossos órgãos e funções. Já imaginou o que se seria se a fome nos acordasse enquanto dormimos?
Logan, R.W., McClung, C.A. Rhythms of life: circadian disruption and brain disorders across the lifespan. Nat Rev Neurosci 20, 49–65 (2019). https://doi.org/10.1038/s41583-018-0088-y
Volobuev, A., and P. Romanchuk. “Genetics and Epigenetics of Sleep and Dreams.” Bulletin of Science and Practice, vol. 6, no. 7, July 2020, pp. 176–217. DOI.org (Crossref), https://doi.org/10.33619/2414-2948/56/21.
Este “relógio” biológico estruturalmente corresponde ao núcleo supraquiasmático (NSQ), que são um grupo de neurónios ao nível do hipotálamo. Este núcleo funciona como um relógio central, o relógio mestre, que informa cada célula do nosso corpo a hora do dia, para que esta possa adaptar o seu funcionamento em função disso.
O nosso núcleo supraquiasmático está no interior do nosso cérebro, ele recebe a informação da quantidade de luz através de alguns neurónios na retina, as chamadas “células ganglionares fotorreceptoras”. É importante percebermos que os nossos olhos são a parte externa do nosso cérebro.
O ritmo circadiano regula muitos processos biológicos no nosso corpo e é influenciado pelo ciclo de luz e escuridão. A luz do sol funciona como se se tratasse de um interruptor entre a sonolência e os estados de alerta. A mensagem da luz é muito simples: maior quantidade de luz, maior atividade; menor quantidade de luz, menos atividade; ausência de luz, descanso. O nosso cérebro usa principalmente duas hormonas, a melatonina e o cortisol (mas também a adrenalina e noradrenalina), para informar todo o corpo sobre em que momento do dia estamos, quando devemos acordar e estar ativos ou quando devemos descansar ou dormir.
Durante o dia, o sistema digestivo produz mais enzimas para coincidir com o horário normal das refeições e, o sistema endócrino regula as hormonas para se adequar ao gasto normal de energia.
Os ritmos circadianos podem ajudar a explicar porque existem mais nascimentos por parto natural durante a noite e a madrugada, tal como existem mais óbitos de manhã. A maior prevalência para os nascimentos prende-se com a libertação de hormonas que desencadeiam o trabalho de parto pela noite. De acordo com a teoria darwiniana, faz com que o processo do parto seja desencadeado à noite ou nas primeiras horas da madrugada, altura em que mãe e recém-nascido eram menos vulneráveis a predadores. Por sua vez, a morte ocorre habitualmente de manhã devido às alterações da pressão arterial ao longo da noite. Os riscos de enfarte ou de derrame cerebral é maior entre as oito da manhã e o meio-dia, isto porque, tendencialmente, a pressão arterial (que atinge o pico mais baixo às 3h da madrugada) aumenta com o nascer do dia e quando nos levantamos. Quem tem habitualmente dores crónicas, ressente-se, habitualmente, mais de manhã. Isto acontece porque o corpo produz menos cortisol, um esteroide anti-inflamatório, durante a noite.
Outro bom exemplo de como funciona o nosso biorritmo é o efeito jet lag após uma viagem para um fuso horário diferente do que estamos habituados.
É importante percebermos que, apesar deste nosso relógio ser extremamente sincronizado e autónomo, necessita de informações e estímulos adequados para que possa funcionar corretamente. A estes estímulos chamamos Zeitgeber (em alemão significa “dador de tempo”). Exemplos destes estímulos são:
- A alimentação: importa o que comemos e quando comemos
- A atividade física: importa a hora do dia em que temos mais atividade, por exemplo é mais adequado ao biorritmo mover-se mais pela manhã
- As variações de temperatura ambiental
- As interações sociais
- A luz a que somos expostos: a luz é o principal elemento de regulação do círculo circadiano.
Respeitemos as nossas origens evolutivas. Lembremo-nos que os nossos genes, pela nossa evolução foram programados e selecionados na área da Tanzânia e do Quênia, onde há um ciclo constante durante o ano de 12 horas de luz e 12 horas de escuridão. Pegando no exemplo do equilíbrio das hormonas Cortisol e Melatonina.
O cortisol, atinge o seu pico pela manhã, contribuindo para despertar-nos e manter uma atividade mental e física mais elevada durante o dia. À medida que o dia avança e a noite se aproxima, a produção de cortisol diminui, dando lugar à melatonina. A melatonina, conhecida como a hormona do sono, começa a aumentar ao final do dia, sinalizando ao corpo que é hora de se preparar para dormir. É crucial, portanto, ajustar nossas atividades de acordo com esse ritmo biológico.
Então o que é que a nossa biologia espera de nós:
- Permita-se acordar naturalmente sem a ação de um despertador que faça o coração disparar ao iniciar do dia
- Receber a luz do sol pela manhã. Comece o dia abrindo as janelas e expondo-se durante 15 minutos à luz solar
- Prolongue ligeiramente o jejum noturno, no mínimo 12horas
- A atividade física intensa deve ser diurna, não noturna
- Mexa-se com o estômago vazio, pratique exercício em jejum
- Permita que a sensação de fome apareça antes da ingestão de alimentos e a sensação de sede antes da ingestão de líquidos
- 12 horas após o despertar, não receber luz azul e fazer a última refeição do dia
- Proteja-se de fontes de luz artificiais intensas à noite, utilize filtros de luz azul no computador, telemóvel ou tablet. À noite deve estar numa sala escura, com uma temperatura fresca e sem dispositivos eletrónicos.
É fácil dado o ritmo com que vivemos? A sociedade permite-nos viver de acordo com este ritmo? A resposta é não. Atualmente, o que acontece é a maioria das vezes acordar com o despertador, passar a manhã num escritório com luz artificial, continuar a receber luz azul à noite através de luzes de fluorescentes em casa, luz de ecrãs de computadores ou telemóveis, jantar tardio à noite, continuar a usar dispositivos eletrónicos até às 23h ou meia-noite e conviver socialmente à noite. Ou seja, um ciclo circadiano que, com todos estes elementos, o nosso cérebro interpreta como 17 horas de luz/7 horas de escuridão. Este ritmo acaba por gerar um “jet lag” entre o ritmo biológico que os nossos genes esperam e o ritmo que lhe damos com o nosso estilo de vida. E isso é sinónimo de desregular a saúde.
As desregulações do ritmo circadiano podem levar a desequilíbrios no sistema hormonal, temperatura corporal, metabolismo, apetite, sistema imunitário, pressão arterial, acumulação de gordura corporal, entre outros aspetos e pode estar relacionado com diversos problemas de saúde. Alguns sintomas mais conhecidos para a desregulação do nosso ritmo circadiano são a fadiga, a irritabilidade, a depressão ou a ansiedade, mudanças de apetite ou de peso, problemas de memória ou de concentração, dores de cabeça ou problemas de digestão.
Deixo-lhe algumas dicas para minimizar os efeitos da vida moderna no seu biorritmo:
- Acorde naturalmente. Se não for possível, use um despertador com algum som que imite a natureza.
- Exponha-se à luz solar de manhã. Se não for possível, use uma lâmpada brilhante de 10.000 LUX durante 30 minutos
- Opte por fazer exercício em jejum pela manhã
- Faça a primeira refeição do dia com alimentos ricos em triptofano (exemplo: abacate, banana, peru e o ovo)
- Não consuma bebidas alcoólicas ou substâncias estimulantes após as 16 horas
- Cerca de 12 horas depois de acordar, use óculos com filtro para a luz azul. Estes óculos bloqueiam a entrada de luz azul no nosso cérebro à noite
- Faça a última refeição por volta dessa hora
- Tenha uma luz amarela e de baixa intensidade em casa pela noite, não use dispositivos eletrónicos à noite
- Não utiliza ecrãs pela noite, em vez disso opte por um bom livro
- Durma num quarto escuro e fresco
Nem sempre é fácil, mas ao seguir estes pequenos passos, estará muito mais perto do ritmo de 12/12 que os seus genes esperam. E quando regular o seu ritmo biológico, regulará a sua saúde.
Os biorritmos são um dos temas que abordo na consulta de Osteopatia Integrativa. Comece a pôr em prática algumas das pequenas sugestões que lhe fiz para começar a reestabelecer o seu ritmo circadiano. Lembre-se que respeitar o biorritmo é fundamental para regular o seu sistema hormonal, imunitário e manter assim uma boa saúde.
David Brandão | Osteopata – Fisioterapeuta
Integrativa | A saúde e o bem-estar como um estilo de vida